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edição de 27 de maio de 2019

STORYTELLER TommL/iStock

STORYTELLER TommL/iStock Angústia de redator Muita gente está fazendo propaganda como se tudo fosse um letreiro de neon LuLa Vieira Onde andam os redatores de propaganda? Onde andam os caras que antigamente faziam textos emocionantes, lidos como se peças de literatura fossem, que tinham substância, emoção, alma? Textos que eram capazes de lhe agarrar pelo colarinho na primeira linha e manter você preso até o fim, acreditando em cada palavra? Onde andam os textos que tinham começo, meio, fim e ideias no meio? Às vezes acho que a velha arte de fazer anúncios – sejam por qualquer meio – morreu. Não apenas a velha arte de escrever textos de propaganda, mas a arte da venda por argumentação, do diálogo, da troca entre duas inteligências ditas superiores no reino animal. Posso estar ficando velho, mas está cada vez mais difícil encontrar um bom texto, elo entre duas inteligências. A do anunciante e do consumidor. É triste, mas a argumentação está morrendo. Somos todos pavlovianos, acreditando que o consumidor cada vez mais reage por impulso, salivando condicionado por sons ou imagens, não por raciocínio. Perdemos o respeito pela inteligência e o gosto pela argumentação. Não que este novo mundo me faça muito mal como maneira de ganhar dinheiro e tocar a vida, pelo contrário. Só me dá saudades do tempo que o texto era um desafio, um diálogo entre inteligências, um exercício de argumentação. Só isso. Uma vez, há muito tempo, nós fizemos para a ESPM um comercial de TV que era para ser uma ironia, uma brincadeira com a inteligência do espectador. Achávamos que nosso público, o estudante que queria aprender a fazer comunicação, entenderia. Era um comercial que tinha todos os lugares-comuns, levados ao exagero. Musiquinha, gente dançando, edição frenética, cenas de arquivo. No final o locutor dizia: “se você fizer o curso de propaganda na ESPM jamais vai fazer um comercial idiota como esse”. Hoje eu vejo na TV, na internet, no cinema, dezenas de anúncios exatamente como aquele. Como se o próprio Pavlov tivesse criado e produzido. Há exceções, algumas. Mas são raras. É difícil encontrar um texto como da Ração Pedigree. Quer ouvir? “Somos loucos por cachorro. Algumas pessoas são a favor das baleias... outras das árvores. Nós gostamos mesmo é de cachorros. Os grandes. Os pequenos. Os de guarda. Os brincalhões. Os de raça. E os vira-latas. Somos a favor dos passeios. Das corridas e travessuras. De cavar, coçar, cheirar e brincar. Somos a favor de parques com cachorros. Portas para cachorros. Da vida de cão. Se houvesse um feriado internacional em que todos os cães fossem reconhecidos por sua contribuição pela qualidade de vida na terra, nós seríamos a favor também. Porque somos loucos por cachorros...” É um texto perfeito, destinado a quem gasta dinheiro com ração e ama seu cachorro. Não foi escrito para as pessoas que são indiferentes, mas é altamente mobilizador para quem tem cães e dá importância a eles. Quem não ama cachorros pode achar o texto meio babaca. E provavelmente seja. Mas é altamente emocionante para o público ao qual o anúncio foi escrito. Quem compra ração. O resto, foda-se. Esse texto está literalmente desprezando quem não está disposto a gastar dinheiro com um saco de ração. Gente que não vai contribuir com um único real para o lucro de uma fábrica de comida para cães. É claro que não posso e nem devo achar que os bons textos acabaram. Ainda tem peças encantadoras de propaganda, que respeitam a sua inteligência, mobilizam e fortalecem a ligação entre o produto ou serviço anunciado e o consumidor. Mas estão ficando cada vez mais raros, até porque acredita-se que as pessoas estão deixando de ler e ficando incapazes de se concentrar em alguma coisa que faça refletir. Muita gente está fazendo propaganda como se tudo fosse um letreiro de neon (existe ainda?), onde não há espaço para nenhuma reflexão. Ou que fazem textos sem graça, sem argumentos, sem convites à reflexão. Sem respeito à inteligência e à capacidade de seu consumidor em pensar.Só para terminar, eu repito um verso de Bastos Tigre, um velho redator de propaganda das antigas, poeta, que uma vez escreveu: “O anúncio quando é bem feito/Criado com muito jeito/Convence mãe, filho ou pai. Se o anúncio disser, com arte/Que vá àquela parte/Garanto que você vai”. Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor lulavieira.luvi@gmail.com 26 27 de maio de 2019 - jornal propmark

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